
1. A vitória de Obama vale por si. Ou seja, independentemente do que se seguir ou do real e profundo significado do que aí vier (ou não...), aquela vitória tem um peso específico. É, ela própria, um marco. Não apenas por Obama ser preto, ou pelo facto de a sua vitória pôr termo a um dos maiores pesadelos políticos do nosso tempo. A eleição de Obama extravasou largamente o seu significado político restrito e, nessa medida, adquiriu uma dimensão simbólica equivalente aos raros momentos de ruptura história. "Esperança" (hope) é a palavra-chave dessa mitologia, que de mitologia se trata, num mundo em que tudo parece ruir, ou, pior, tudo parece à beira do abismo.
2. A eleição de Obama vai obrigar muitos de nós a revermos a posição no xadrez do debate político. No auge da loucura bushista (o Iraque e o resto...), tinha eu outras actividades e envolvi-me com "meio mundo" à volta desse tema. Por mais que me apelidassem de anti-americano (afinal de contas, há mesmo livros sobre isso), insisti sempre que, para mim, o problema não era esse. Vejo a América como a terra da esperança (lá está...) e o que me revoltava era todo aquele disparate dos neo-cons. Mas, reconheçamos, muito "boa gente", à boleia dos disparates de Bush, limitou-se a renovar, remaquilhar, velhas cartilhas anti-capitalistas, anti-imperialistas, anti-americanas. Vai ser curioso assistir, nos próximos tempos, ao reposicionamento de muita gente.
3. É claro que a enorme esperança que hoje Obama encarna irá desembocar, aos poucos, mais cedo ou mais tarde, em desilusões várias. A política é isso mesmo. Meter as mãos na massa. Perturbar. Incomodar. Fazer rupturas. Desafiar. Mesmo aqueles que foram a base de apoio, ou outros que, longe, foi como se lá tivessem estado. Os consensos vão quebrar-se e ainda bem. O mito global em que Obama se tornou por estes dias durará algum tempo, pouco, e será, em boa medida, muito pouco fértil. A fibra do político ver-se-á quando começarem a levantar-se os primeiros clamores de contestação ou desilusão. Aí sim, teremos Obama. Ou não.
Esta eleição por si só valeu pelo acabar do Bush, não se deve endeusar quem quer que seja, seja ele amarelo, verde ou cião.
ResponderEliminarAfinal a América é a América, fantástica em tanto mas Reino do Capital.
Mas gostei de ver e muito, agora só espero que o santo não tenha os pés barrentos.
"A eleição de Obama (...) adquiriu uma dimensão simbólica equivalente aos raros momentos de ruptura história."
ResponderEliminarConcordo plenamente. Mas o que mais me assusta na sua eleição, embora sendo eu um fervoroso apoiante, são os efeitos pós-desilusão. De que forma reagirá uma humanidade cujo desenvolvimento de mentalidades ainda deixa muito a desejar? Nessa altura, aceitar-se-à Obama como um ser humano, com igualdade ao erro e à diferença de opinião, ou reavivar-se-ão antigos fantasmas racistas? Que dimensão este relance tomará?
Tudo o resto aguardo calmamente... Stay Well